Reflexão
O processo de morte pode ser carregado de leveza?
Neste Dia de Finados, a perspectiva das doulas da morte, que buscam harmonizar e amparar pacientes, familiares, cuidadores e equipes de saúde
De que forma eu posso honrar o que é sagrado pra ti, até o fim? A indagação é um dos pontos de partida de um trabalho que começa a ganhar força no Rio Grande do Sul e já chega a outros estados brasileiros. São as doulas da morte, profissionais que buscam harmonizar e amparar pacientes e seus familiares ao longo do processo de finitude. Neste 2 de novembro, que marca o Dia de Finados, o Diário Popular chama à reflexão. Se os nascimentos são celebrados como renovação de vida, a morte pode ser - sim - encarada com mais leveza, já que coroa uma existência. Uma jornada. Encerra um ciclo. E para essa naturalização ocorrer, o primeiro passo é falar a respeito.
É a provocação que a fisioterapeuta Ana Portillo e a enfermeira Tatiana Barbiere Santana, de Porto Alegre, têm procurado disseminar a cada contato com o público em cursos, workshops, dinâmicas e qualificações. E para desenvolver este novo olhar sobre a terminalidade é fundamental ir em busca de respostas a um questionamento básico: o que é possível fazer para humanizar este processo? De que forma a pessoa gostaria de aplicar o tempo nesta reta final?
"Quando se tem um processo de adoecimento, não se pode mudar o resultado, mas a gente pode ressignificar e mudar a experiência do adoecimento e da morte", ressalta Ana. E lembra que o conceito se aplica tanto aos idosos, em idade mais avançada, quanto aos cidadãos em Cuidados Paliativos, que possuem diagnóstico de doença grave ou incurável. Escuta ativa e afeto, então, darão os rumos ao trabalho.
Tecer amor pelo ser até o fim
Não há regras nem fórmulas prontas. Nesta conexão que se estabelece com pacientes e familiares, as doulas identificam as melhores ferramentas para promover conforto e dignidade, em lares ou estabelecimentos de saúde. A leitura de um livro. Um toque terapêutico. O vasculhar naquela velha caixa de fotografias. Contos de episódios inesquecíveis e sonhos. Uma música ou até o silêncio. É o estar junto. É aquela cumplicidade que ora vai trazer o encorajamento, ora vai permitir o choro extravasado sem explicações ou julgamentos. Um abraço amoroso, um beijo.
São papéis, não raro, já cumpridos por cuidadores, familiares e amigos desses homens e mulheres que caminham para finitude, Brasil afora. Alicerçada nos pilares ciência, amor e arte, a atuação das doulas da morte permite um leque de possibilidades. Por vezes, estarão com o olhar direcionado aos pacientes. Em outros momentos estarão focadas em cuidar de quem cuida. Sempre lembrando das várias faces do ser: física, emocional, espiritual e sócio-familiar.
"Podemos interagir com as equipes e levar leveza às situações. Podemos ajudar a desenlaçar os nós", destaca a fisioterapeuta, que além de pós-graduada em Saúde e Espiritualidade e Psicologia Transpessoal, também realiza voluntariado como clown em hospitais.
Uma trajetória que as permite afirmar: escolher estar presente no momento da partida de alguém é valorizar a vida.
Para reduzir a dor
As conversas prévias e verdadeiras podem permitir que os últimos desejos do seu ente querido sejam atendidos, ainda que se refiram ao ritual funerário. E essa franqueza poderá fazer com que o velório, inclusive, fuja ao tradicional e receba, por exemplo, música para manter o clima de harmonia, independentemente, da religião que eventualmente a família professe.
E o melhor: ao acompanhar este processo de finitude, certo de que até a última hora a relação foi ancorada no amor, a tendência é de que a dor ganhe outras cores. O luto tende a não ser marcado por aquele sofrimento pesado. Logo, passa-se a lidar com a saudade, que dói, mas não machuca.
Saiba mais
O primeiro curso de doulas da morte no Brasil foi ministrado em Porto Alegre. Atualmente, já há uma turma em São Paulo e, em 2020, a cidade de Florianópolis, em Santa Catarina, também contará com as atividades, que se prolongam por cinco meses; metade das aulas online e metade presencial.
Em outubro, Ana Portillo e Tatiana Barbiere Santana estiveram em Pelotas para ministrar workshop durante Semana de programação alusiva ao Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, realizado na Unidade Cuidativa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Mais informações sobre a "boa morte" podem ser obtidas com a AmorTser - Tecendo amorosidade pelo ser até o fim, através do telefone (51) 982 76-6792 ou pela fanpage - Facebook.
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